Os três tempos do estudo da história

«Nada na biologia faz sentido senão sob a luz da evolução» é um ensaio publicado em 1973 por Theodosius Dobzhansky, em que ele busca defender que a evolução é o pilar central e a principal ferramenta que permite o avanço da biologia. Pois eu diria que nada nas ciências humanas faz sentido senão sob a luz da história. Ao contrário do que uns analíticos sonsos dizem, não basta a masturbação da lógica para se chegar a algum lugar (ainda faço um texto sobre os teoremas de Gödel e a insuficiência da lógica pura). O estudo da história e da filosofia nos permite reconhecer a genealogia de nosso ideário e de nossos preconceitos, além de pôr em perspectiva nossa pequenez e nos munir de uma miríade de exemplos (positivos e negativos) que servem para ponderarmos a validade de nossas estratégias e ações.

Eis como eu estudo e como penso ser mais efetivo o estudo: há que se estruturar o aprendizado de forma que existam três momentos, os quais chamarei de sobrevoo, estudo das particularidades e estudo das interações e conexões. O objetivo da primeira etapa é nos situar na conjuntura do espaço em questão, nos introduzindo à sociedade, sua estrutura sócio-cultural, política e econômica, assim como nos dar um breve resumo dos fenômenos ocorridos. O propósito do segundo momento é esmiuçar o fenômeno e o analisar detalhadamente, compreendendo o que o precedeu e o que o sucedeu, além de responder às perguntas quem?, onde?, quando?, como? e por quê?, embora ainda limitado a uma lógica de história factual e sem grandes reflexões. O terceiro, e mais extenso, requer encaixar o objeto em nossa «linha do tempo mental», entender diferentes pontos de vista e os interesses que estavam em jogo, compreender como as transformações se dão gradualmente, perceber de que forma isso se relaciona com outras particularidades já estudadas, saber de onde vêm as informações e fazer a devida crítica das fontes.

Um sobrevoo deficitário leva a, por exemplo, ocasiões como a da minha professora da quarta série, que tentava falar sobre a guerra dos farrapos sem nos dar o mínimo contexto, fazendo com que eu não fizesse a mais puta ideia de quando aquela merda aconteceu e de o que era uma charqueada. Um bom estudo das particularidades sem estudo das interconexões produz sujeitos com conhecimentos compartimentalizados: sabe o que é o senado romano e o que é o helenismo, mas é incapaz de perceber sua simultaneidade e suas influências mútuas (o tipo de gente que tem a cabeça explodida quando descobre que os gregos estudavam no Egito ou que Descartes era amigo de Espinoza). A maioria das escolas brasileiras não consegue ir além do sobrevoo, as boas chegam ao estudo de algumas particularidades mais importantes e raríssimas problematizam e realmente discutem a história, costurando uma fina trama que cobre o globo todo durante todas as épocas.

Um professor com a devida infraestrutura e com uma carga de trabalho justa seria capaz de guiar seus alunos de forma a sobrevoar assuntos novos, depois ensinando as particularidades e por fim discutindo as relações deste novo tema com os demais que já haviam sido estudados. Percebam que esse modo de trabalho já serviria inclusive de revisão, pois os conteúdos antigos seriam constantemente revisitados e olhados sob nova luz. É uma pena que poucos tenham o ânimo de seguir estudando após o ensino obrigatório e que os professores tenham tão pouco tempo. Eu, pelo menos, acho que a escola deveria formar cidadãos com uma mínima noção de todas as áreas: «uma pessoa educada deveria conhecer um assunto inteiramente e saber algo de todos os outros». Sinceramente, não vejo com maus olhos propostas como aumentar o tempo do colegial. O acréscimo de dois anos (ou seja, educação pré-graduação até os 20 anos) diminuiria a imaturidade dos bixos e permitiria um ensino muito mais aprofundado.

Enfim, isso aqui era para ser sobre como eu pessoalmente estudo, e não para cagar regra. Tenho certeza de que os especialistas em ensino de história devem ter melhores propostas. Enfim… até!

«Historia vero testis temporum, lux veritatis, vita memoriae,
magistra vitae, nuntia vetustatis, qua voce alia nisi oratoris immortalitati commendatur?»
(Com que outra voz, além da do orador, a história, testemunha do tempo, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, herdeira da antiguidade, está comprometida com a imortalidade?)
— Marco Túlio Cícero.

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