A perniciosa ofuscação entrincheirada na prosa filosófica

Tradução do artigo de Ethan Milne de 31 de julho de 2020.

Ou: por que a escrita filosófica deveria ser mais acessível

O principal trabalho de um filósofo é escrever. Publicar artigos de alta qualidade nas melhores revistas requer a capacidade de escrever muito. Entretanto, a filosofia é famosa pela má escrita. É comum na escrita acadêmica se encontrar frases longas e sinuosas que precisam de três minutos de análise só para se entender rasamente o que o autor quis dizer. Eis um exemplo do que estou dizendo:

Sair de uma perspectiva estruturalista em que o capital é entendido como estruturador de relações sociais de maneiras relativamente homólogas a um ponto de vista de hegemonia em que relações de poder são sujeitas a repetição, convergência e rearticulação trouxe a questão da temporalidade para o pensamento de estrutura, e marcou o câmbio de uma forma de teoria Althusseriana que toma totalidades estruturais como objetos teóricos para uma em que insights em direção à possibilidade contingente de estrutura inaugurou uma renovada concepção de hegemonia como ligada a zonas contingentes e estratégias de rearticulação de poder.

— Judith Butler, Outras Reflexões sobre as Conversas de nosso Tempo.

Eu sou incapaz de sequer começar a dizer o que isso significa. Na verdade, essa frase da Judith Butler ganhou o primeiro prêmio do concurso de má escrita do Journal of Philosophy and Literature. Tendo lido outras obras de Butler, posso afirmar que seus outros textos são quase igualmente ininteligíveis. Não que o trabalho dela sobre conceitos como performatividade de gênero esteja errado, é só que é consistentemente comunicado de uma forma que limita o entendimento geral.

Butler é só um exemplo. Eis Lacan comparando a raiz quadrada de -1 a um falo:

O órgão erétil pode ser igualado a √-1, símbolo da significação produzida acima, da jouissance que restaura — pelo coeficiente de seu argumento — à função de significante perdido: (-1).

[…]

A lista segue infinitamente. Derrida, Bordieu, Foucault, apenas para citar alguns outros.

De fato, os exemplos dados — embora densos — são, cada um, uma só frase. Frases que supostamente deveríamos ver como profundas e importantes. O que quero perguntar é: por que precisa ser assim?

Os Benefícios do Obscurantismo

Outra filósofa, Martha Nussbaum, discute este fenômeno num texto entitulado «O Professor da Paródia». Enquanto Nussbaum foca particularmente nas deficiências linguísticas de Judith Butler, acho que seu comentário se aplica a muitos dos previamente citados:

Algumas áreas da tradição filosófica continental, embora certamente não toda ela, possui a infeliz tendência a enxergar o filósofo como uma estrela que fascina, e frequentemente pela obscuridade, ao invés de um argumentador entre iguais. Quando as ideias são afirmadas claramente, afinal, elas podem acabar se descolando do seu autor: qualquer um pode tomá-las e fazê-las suas. Quando elas permanecem misteriosas (de fato, quando sequer são claramente expostas), os outros são mantidos em dependência da autoridade originária. O pensador é admirado apenas por seu carisma túrgido.

Em outras palavras, se eu posso entender os conceitos de Thomas Nagel de forma clara e precisamente definida, tanto pior para ele. Slavoj Zizek, Judith Butler e qualquer um dos outros obscurantistas são imunes ao mesmo escrutínio crítico pelo qual Nagel passa. Suas prosas densas têm algumas funções:

1. É difícil criticar conceitos quando não se é capaz de entender as obras que os introduzem.

2. Depender de carisma pessoal é bom — ninguém pode reafirmar o que você escreveu, então todos são forçados a te citar.

3. Você parece inteligente por tê-lo escrito.

Ainda outro filósofo, John Searle, foi entrevistado pela revista Reason e disse o seguinte sobre o fenômeno:

No caso de Derrida, você dificilmente o entenderá errado, porque ele é tão obscuro. Sempre que alguém diz «Ele afirma x e y», ele sempre diz «Você não me entendeu». Mas, se você tenta achar a interpretação correta, percebe que não é tão fácil. Eu disse isso uma vez ao Michel Foucault, que era ainda mais hostil ao Derrida do que eu, e Foucault disse que Derrida praticava o método do terrorismo do obscurantismo. Estávamos conversando em francês, e eu disse «Que diabos você quer dizer com isso?». Ele respondeu «Ele escreve tão obscuramente que ninguém consegue entender o que ele quer dizer. Essa é a parte do obscurantismo. E então, quando você tenta criticá-lo, ele sempre pode se defender falando ‘Você não me entendeu; você é um idiota’. Essa é a parte do terrorismo.»

Está claro que escritores de ensaios filosóficos sentem-se tentados a participar deste «terrorismo do obscurantismo», mas o que seus leitores tiram disso?

Escrita Obscura: um sinal custoso

Na psicologia há algo chamado «sinalização» — ações que «sinalizam» ou «mostram» que alguém possui certo atributo. Por exemplo, um diploma universitário pode ser um sinal de inteligência, ou uma casa luxuosa pode ser um sinal de riqueza.

Sinais são particularmente úteis por nos permitir revelar informações sobre nós de maneira menos direta. Ninguém gosta de quem se gaba do salário, mas se oferecer para pagar o jantar de todo mundo passa a mesma mensagem — mesmo que de forma mais fraca.

Uma característica chave de um sinal é ser suficientemente custoso, a ponto de ser difícil de falsificar. Quanto mais custoso o sinal, mais genuíno parece. Para os leitores deste terrorismo do obscurantismo, penso que uma prosa densa, quase ilegível, funciona como um sinal custoso de inteligência e sabedoria.

Ao mesmo tempo, ser versado nos escritos de Butler, Foucault e outros é um sinal custoso de haver investido horas para entender suas ideias, o que também é um símbolo difícil de falsificar. Estes autores têm teses muito sólidas, e outro (verdadeiro) fan deles pode reconhecer se você está apenas fingindo tê-los lido.

A Filosofia Deveria Ser Acessível

Embora os trabalhos desses autores possam atuar como sinais de inteligência, a exata coisa que gera o sinal é o que impede seus trabalhos de terem algum real impacto.

Os filósofos que citei discutem, principalmente, ética — como agir no mundo e ser «bom», o que quer que isso signifique. Presumivelmente esses autores gostariam que as pessoas seguissem seus conselhos. Judith Butler, por exemplo, provavelmente ficaria honrada se mais pessoas apreciassem as nuances de sua visão sobre gênero como performance ao invés de característica imutável. Não tenho dúvidas de que a mensagem seria bem mais lugar-comum hoje em dia se tivesse sido escrita de forma acessível a todos, e não apenas para seus pares.

Se você quer mudar o mundo, deve saber como. Mas isso é apenas o primeiro passo. Se você não consegue comunicar esse como, você já perdeu a vasta maioria das pessoas que, de outra forma, poderiam ter concordado com você.

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